Insegurança à noite preocupa comunidade da UFSC Trindade

Nos primeiros 290 dias de 2025, foram registrados 59 boletins de ocorrência no campus. Casos de violência evidenciam que falta de estrutura é problema grave para segurança

MARGARIDA BOMFIM e ARTHUR WESTPHALEN

As estudantes de economia Bruna Linski e Júlia Rodrigues estavam saindo da aula quando foram abordadas por dois homens em uma moto. Elas atravessavam o estacionamento do Espaço Físico Integrado, o EFI, e iam em direção à Carvoeira após sair do Centro Socioeconômico (CSE). Primeiro, eles não falaram nada, apenas permitiram que elas cruzassem a calçada. Poucos segundos depois, se aproximaram de novo. Desta vez, o passageiro desceu da moto com uma arma e ameaçou as estudantes, que tentaram correr. 

Júlia conseguiu fugir, mas Bruna foi derrubada no chão e agredida. Ela teve seu celular roubado. A colega chegou a uma guarita, que, usualmente, teria um segurança, mas ele não estava. Precisou ir até um bar para pedir ajuda. O local que elas passavam quando foram assaltadas é caminho obrigatório para quem faz aquele trajeto – do CSE para a Carvoeira – mas não possuí iluminação. 

O campus Trindade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se torna um cenário de apreensão e medo quando o sol se põe. A sensação de vulnerabilidade é companheira indigesta de quem precisa circular pelo lugar à noite. “Não me sinto segura em nenhum momento”, conta Lígia Castela, estudante de engenharia de materiais. Para ir e voltar das aulas, ela conta com a ajuda do namorado. “A UFSC é muito escura à noite, e não me sinto segura por ser mulher”.

O medo de Lígia é compartilhado por muitas colegas. Em grupos de WhatsApp, que reúnem alunas do Centro Tecnológico (CTC) e de outros departamentos, a insegurança tornou-se tema frequente. Bruna acreditou que sofreria uma tentativa de estupro ao ser assaltada, como contou em entrevista à NDTV.

A falta de iluminação é um dos maiores problemas para a segurança do campus Trindade. Uma caminhada em direção a qualquer uma das saídas da UFSC passa por diversos postes quebrados e espaços mal iluminados. O assalto à Bruna e Júlia ocorreu em um local sem luz, assim como um caso de sequestro em 2023 e outro de assalto em agosto de 2024 a dois estudantes.

A falta de profissionais de segurança também é apontada como um problema. No caso das alunas de Economia, ao chegar na guarita não havia um profissional. Elas só foram atendidas quando Júlia conseguiu encontrar uma viatura da Polícia Militar de Santa Catarina.

Em uma nota à imprensa, a Reitoria alegou que “tem buscado soluções para melhorar a iluminação em áreas de grande circulação e para definir rotas mais seguras para o deslocamento de estudantes, servidores e visitantes. Trata-se de um desafio permanente, considerando que o campus Trindade possui área superior a 912 mil metros quadrados e livre acesso à comunidade”. O campus Trindade tem uma área de 1 milhão de metros quadrados, equivalente a 58 estádios da Ressacada. A monitoração do espaço é feita por 1.504 câmeras e supervisionada por uma equipe de 171 vigilantes, 144 porteiros e 26 servidores.

Números da SSI apontam melhora, e Polícia Militar é citada como solução

Apesar da sensação de insegurança, os indicadores da Secretaria de Segurança Institucional (SSI), órgão universitário responsável pela segurança nos campi, mostram que o número de ocorrências diminuiu em 2025, e está abaixo dos números registrados antes da pandemia de Covid-19, em 2020. 

Em 2019, a instituição registrou 234 ocorrências, com índice de 0,64, o maior da série analisada. Nos anos seguintes, 2020 e 2021, verificou-se uma queda acentuada, 80 e 79 ocorrências, respectivamente, reflexo direto das restrições de circulação impostas pela pandemia. A partir de 2022, houve retomada no número de registros, com 182 ocorrências, índice de 0,49. Já em 2023, o volume chegou a 202 boletins, e o índice voltou à 0,64. Foi o ano mais próximo dos valores de 2019.

Em 2024, observa-se uma nova redução, com 122 casos (índice de 0,33). Até setembro de 2025, foram contabilizados 53 boletins de ocorrência, resultando em índice de 0,20, o que sugere que o ano deve encerrar com números inferiores aos de 2024. Nos primeiros 290 dias de 2025, foram registrados 59 boletins de ocorrência. Os dados são da SSI.

Números da SSI mostram queda nos casos de violência dentro do campus Trinade (Fonte: Secretaria de Segurança Institucional)

Mesmo com uma melhora nos números, crimes violentos na comunidade universitária suscitam a defesa da presença da Polícia Militar no campus Trindade.

Em um texto de opinião publicado no portal do Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina, a Apufsc, o professor Daniel Vasconcelos, chefe do Departamento de Economia e Relações Internacionais, escreveu: “O campus e seu entorno poderiam se beneficiar sendo também objeto de rondas sistemáticas de agentes da segurança pública. Isso mesmo que você leu: eu quis dizer policiais”. No texto, o professor alegou também que a comunidade universitária trata os policiais como anátema, algo amaldiçoado, mas disse entender o receio existente, em decorrência das interações entre policiais e estudantes durante a Ditadura Militar.

A proposta de Daniel acontece 15 dias após o Instituto Memória e Direitos Humanos publicar um relatório que concluiu que moradores de comunidades periféricas em Florianópolis enxergam a polícia como uma promotora da violência. O documento foi desenvolvido em parceria com a UFSC e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

A presença da PMSC no campus não é proíbida, mas é um assunto polêmico na comunidade universitária. “A gente compreende que, hoje, infelizmente, não temos uma polícia que priorize o bem-estar e a segurança das pessoas”, afirmou a coordenação-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFSC) ao Fatual. A coordenação entende que essa medida não traria benefícios ao campus, e poderia reproduzir opressões sistêmicas, como às denunciadas no relatório do IMDH. O DCE acredita que investimentos em iluminação e na contratação de mais agentes de segurança poderiam ser soluções ao problema da insegurança.

Mulheres se organizaram para construir espaço de acolhimento na UFSC

Em março de 2025, uma estudante foi stalkeada e sofreu uma tentativa de estupro durante o dia ao sair da aula perto do Centro Socioecônomico. O crime se tornou o estopim para uma mobilização de autoproteção. “O Movimento de Mulheres se organizou e ocupou uma sala para servir como espaço de acolhimento”, conta a coordenadora do coletivo, Mariana Morosino. “O nosso grupo no WhatsApp rapidamente cresceu para mais de mil mulheres, que compartilham rotas seguras e, em alguns casos, recomendam a posse de spray de pimenta”.

A resposta da comunidade estudantil foi a criação de um espaço de refúgio. A Sala Lilás foi criada como um ponto de segurança. O espaço atualmente fica no prédio do Núcleo de Integração Multicultural Popular Esportivo (NIMPE), na Trindade. É um lugar onde mães estudantes podem amamentar, colegas esperam por um transporte seguro ou, em casos mais graves, encontram um abrigo temporário contra a violência. Mariana criticou a reitoria, e afirmou que a administração universitária demonstra desinteresse no assunto. Ela afirma que a universidade enxerga a Sala Lilás como um problema, em vez de uma solução para um problema institucionalizado de assédio.

Atualmente, a UFSC oferece canais de apoio, como a Coordenadoria de Diversidade e Equidade de Gênero (CDGEN). Carolina Cunha Seidel, coordenadora da CDGEN, diz que esse órgão é inédito no Brasil. A coordenadoria foi criada em 2023, e a gestora enxerga que essa implementação servirá como formato para outras universidades. A CDGEN, além de lidar com o enfrentamento da violência, atua na promoção da equidade de gênero, raça, etnia e outras acessibilidades educacionais para pessoas com deficiência.

Em relação à Sala Lilás, Carolina afirmou que o movimento estudantil é muito importante e defendeu que movimentações como essa somam forças para ampliar os espaços seguros para mulheres no campus. A coordenadora também reforçou que a CDGEN precisa receber denúncias para conseguir atuar no combate à violência, mas que o serviço funciona em um sistema de portas abertas, na sala da coordenadoria no primeiro andar do prédio da reitoria. 

Apesar da CDGEN oferecer atendimento especializado, muitos estudantes  desconhecem o serviço. Fernanda Vilain Machado, estudante de Enfermagem, nunca ouviu falar da rede de apoio disponibilizada pela pró-reitoria. “Iniciativas como essa são essenciais e deveriam ter maior visibilidade. Esses serviços precisam ser mais divulgados nas redes sociais, em cartazes, e, principalmente, entre os alunos”, defende.

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