Bruno Fontes está apaixonado. Sua amada é o esporte

Velejador olímpico não para de treinar nem pra dar entrevista

por LETÍCIA BARROS

Disciplina e Consistência. Essas são as regras básicas para Bruno Fontes, velejador de 45 anos e multi medalhista. Realidade que não seria possível sem o apoio de sua família. O atleta fundou uma academia no quintal de sua mãe, ao lado da casa onde passou toda a infância em Florianópolis. “Para mim o maior valor da vida é a família”, diz. E é ela quem ele carrega nas tatuagens dos braços. No lado esquerdo, seu pai, que faleceu em 2019, o guia como uma bússola junto dos lugares onde aprendeu a velejar. No direito, carrega sua filha junto dos anéis olímpicos, que são sua grande ambição.  

Começou sua história na vela aos sete anos no Lagoa Iate Clube, na capital. “Foi paixão à primeira vista”, conta. Depois, teve sorte ao receber patrocínio de um bingo aos 22 anos. As coisas nem sempre foram fáceis. Quando ele tinha 14 anos, seu pai saiu do emprego como engenheiro e abriu uma padaria. “Nossa vida foi do céu ao inferno. Meu pai tomou um monte de calote. Então, eu e minhas irmãs começamos a trabalhar cedo”. Bruno prometeu a si mesmo que nunca mais passaria dificuldades. Isso explica sua posição empreendedora. Hoje, ele é seu próprio treinador, sua “própria empresa”, nas suas palavras, e estuda para conseguir mais patrocínios e ajudar outros atletas. 

Através do Instituto Bruno Fontes e de suas redes sociais, usa de sua influência e longevidade no esporte para apoiar outros velejadores. Nas redes ele mostra técnicas de treino e sua realidade sendo atleta, acompanhado de brincadeiras com frases motivacionais, como “We don´t stop (nós não paramos)” e “No complaints (sem reclamações)”. “Eu não sou um cara de família rica, então tenho que criar meu dinheiro nas minhas coisas e essa é uma maneira”, afirma. Além das redes, Bruno tem uma escola de treinamento para jovens da vela. Há cinco anos eles treinam juntos, os meninos ainda são os únicos clientes do Instituto. Ele diz ter vontade de crescer com o time, mas prezando sempre por um atendimento personalizado, baseado na qualidade, não na quantidade. “A molecada me tem como exemplo porque no meu meio os atletas bons escondem o jogo”, diz.

Jovens velejadores membros do Instituto Bruno Fontes ensinando outras crianças a prática da vela (Foto: Bruno Fontes / Arquivo Pessoal)

Além da vela, Bruno já praticou judô, tênis, capoeira, bicicleta e crossfit. “Sempre fui um guri polivalente que não era o melhor em tudo, mas sabia fazer tudo”. Seu hobbie é ser atleta. Ele me conta isso enquanto pedala uma bicicleta elétrica. Depois a conversa continua enquanto levanta pesos. Pergunto como não se desconcentra, ele conta que já está acostumado e que não pode deixar de fazer sua meta diária. Quando questiono como se definiria em poucas palavras: “um apaixonado pelo esporte”, responde. Enquanto Pedro, seu amigo que treina com ele, responde “danado”. 

Apesar da paixão, Bruno reconhece que o esporte é repleto de muita incerteza.  “A única certeza que ele te dá é que o importante é ser o primeiro”. Para continuar recebendo patrocínios, o atleta precisa performar bem por muito tempo. Diferente de outras profissões, apesar do maior conhecimento adquirido pela experiência ao longo dos anos, há um limite físico no esporte e o profissional passa a ser desvalorizado. “O mais difícil sempre foi essa necessidade a todo momento de entregar performance para ser o melhor e poder sobreviver”, relata. Bruno era o participante mais velho da vela nas Olimpíadas.

Mesmo que a vela seja um esporte mais de nicho, em que o público no Brasil, geralmente, tem um poder aquisitivo maior, nas competições não há premiação financeira. “É tapinha nas costas e uma medalha e fica por aí”, diz. Pergunto sua opinião sobre o incentivo ao esporte no país. “Rídiculo, mas queria que fosse diferente. Por isso que estou começando meu Instituto, para que outros velejadores não passem pelo que eu passei na minha carreira”, responde. Diante das dificuldades, teve a família ao lado a todo momento. “Meu pai sempre esteve comigo, me levando para tudo que é lado. Já minha mãe no começo ficou mais receosa com um filho pequeno indo mar a dentro”, conta. Atualmente, Dona Ana, mãe de Bruno, ainda demonstra suas preocupações, agora nos vídeos para as redes sociais quando o filho pega muito peso nos treinos. 

Seu pai sofreu um acidente de carro em 2000 e ficou cerca de 20 anos usando cadeira de rodas. Seu Fernando era o centro da família. Dele, Bruno acha que puxou a tranquilidade e a energia de trabalhar duro. Já de Dona Ana, puxou o amor pelas coisas e a fé. Ainda que tenha recebido todo apoio, havia um combinado com a família: “tem que estudar”. Era a segurança para caso o esporte não desse certo. Bruno se formou em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina e em Educação Física pela Universidade Claretiano. Para ele, a experiência universitária foi importante ao ser enriquecida de conexões humanas.

Hoje em dia, para a filha Clara, de 12 anos, o combinado não é tão rígido. “Eu acho que os tempos são um pouco diferentes, está muito mais importante desenvolver habilidades sociais, ter inteligência emocional, conhecimento e falar outros idiomas”, afirma. Dentre os pilares do esporte, Bruno considera a saúde mental o mais importante. 

Em dias de competição não há muita superstição. “Eu já tive bastante. Só que entendi que estava terceirizando os meus problemas”, relata. Sua superstição é ser um “cara” positivo, não reclamar, fazer e se mostrar uma pessoa de fé. Por isso, procura sempre se rodear de pessoas positivas, que o puxam para a direção certa. Seu principal legado é cuidar da sua família. “Eu posso conquistar o mundo financeiro, mas o que vai ficar é o meu legado nas pessoas e na minha filha”. Antes, Bruno viajava mais, mas com Clara entrando na adolescência tenta ficar cada vez mais em casa.

O atleta de 45 anos já ganhou diversas medalhas com a vela e participou de cinco Olimpíadas, duas como treinador. Foto: Gabriel Heusi / Heusi Action Images

Em 2020, nas Olimpíadas de Tóquio, foi convidado para ser treinador da China. Nessa hora, teve de deixar seu ego de lado, não competindo como atleta, para dar um novo passo na carreira. Aceitou o desafio e viajou para o país, porém veio um empecilho: a pandemia de Covid-19. Teve que ficar 50 dias confinado com a equipe e 30 dias isolado sozinho em um quarto de hotel. Após tudo isso, apesar da barreira linguística e cultural, Bruno conta que a experiência foi única. “Eu tenho muito amor pelo processo, então eu tentava ser muito verdadeiro com a minha expressão, minha forma de falar. Até hoje eles me ligam. Eu consegui deixar uma porta aberta e saí de lá respeitado”, afirma.

Hoje, Bruno se encontra em transição de vida, deixando aos poucos de ser atleta profissional. Seu foco agora é a empresa, mas recentemente enfrentou um grande desafio. Em setembro venceu o Campeonato Mundial Master de Vela. Ao chegar em Florianópolis, foi recebido com uma carreata e um passeio no caminhão de bombeiros. De todos os títulos que tem, o de campeão mundial era o que faltava.  Além disso, acumula conquistas. O velejador é tetracampeão sul-americano, heptacampeão brasileiro, medalhista de ouro e prata nos jogos sul-americanos e já participou de diversas Olimpíadas, como atleta e treinador. 

Bruno conta que, fora sua cama, o lugar que mais passou tempo em sua vida foi o mar, velejando. Ele vive como aquela música do Charlie Brown Jr, “Zóio de Lula”. O mar é “seu escritório”, a sua casa. Para sua filha, tenta passar os ensinamentos que esse lugar trouxe. Ter respeito pelos desafios e entender que a vida e o mar são mais fortes que nós. No fim, o pergunto qual seu maior orgulho na vida:

“Olhar para trás e ver que eu tenho amigos em qualquer lugar do mundo. E as experiências que eu tenho, nada vai me tirar. […] Ter feito a minha vida. Vejo um monte de amigo aí, barrigudo, infeliz, estressado e eu estou aqui, fazendo o que eu gosto e sendo dono do meu nariz”.

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