UFSC vive “apartheid” cultural e institucional, afirma professor
Servidores pretos, pardos e indígenas representam 9,1% dos professores e 16,4% dos TAEs
MAITÊ SILVEIRA
Somente em 2173, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) deve atingir 20% de docentes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI), se seguir a média anual de contratação dos últimos dez anos. Esse é um dos dados destacados no seminário Ações afirmativas em concursos para negros: o contexto nacional e a UFSC, promovido pelo Gabinete da Reitoria na última segunda-feira (15) no Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, do campus Trindade, em Florianópolis.
A partir da pesquisa liderada pela professora do Departamento de Psicologia Lia Vainer Schucman e pelo professor do Departamento de Geociências Lindberg Nascimento, o evento apresentou um diagnóstico do racismo institucional na universidade. Os dados compõem um relatório de monitoramento e avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional (resolução n.º175/2022/CUn), previsto pela própria normativa para auxiliar na implantação da política.
Na abertura da sessão, a vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, ressaltou que a pesquisa evidencia uma realidade preocupante, apesar das ações afirmativas serem o eixo principal da gestão atual.
“O que vemos aqui confirma a capacidade das práticas racistas de orientar uma suposta normalidade nas decisões institucionais”, criticou a vice-reitora.
Conforme a Lei 12.990/2014, 20% das vagas em concursos públicos devem ser reservadas para candidatos PPI, mas a UFSC não atinge tal meta. Na instituição, o quadro racial é composto por 494 técnicos-administrativos em educação (TAEs) e 235 docentes autodeclarados PPI, equivalente a 16,4% e 9,1% das categorias, respectivamente. Segundo os dados, os centros de ensino mais desiguais são o Centro de Ciências da Saúde (CCS) e o Centro Tecnológico (CTC).
Se a UFSC seguir a média anual de contratação com reserva de vagas – analisada de 2015 a 2024 –, os 20% de representatividade serão atingidos em 2035 para os TAEs e em 2173 para os professores.
“É um verdadeiro apartheid cultural e institucional”, afirmou o professor Lindberg Nascimento.
Os pesquisadores argumentaram que a estruturação dos concursos públicos é a maior barreira para a equidade racial entre os servidores. A professora Lia Vainer Schucman apontou “obstáculos palpáveis”, como o curto prazo de preparação, disponibilidade de deslocamento e custos de viagem, mas também enfatizou as subjetividades do processo.
“Há uma rede de sociabilidade na comunidade acadêmica que as minorias não participam. É nela que se concretizam as oportunidades, desde as publicações na graduação à bibliografia nos concursos”, explicou Lia. De acordo com a professora, o racismo interpessoal na prova didática também interfere nos resultados. “A ‘régua’ para os candidatos brancos e negros não é a mesma”, disse.
A professora do Departamento de Antropologia Vânia Zikán é uma das três docentes negras do setor. Para ela, a elaboração interna dos editais acadêmicos amplia as desigualdades raciais vivenciadas no cotidiano. “A gente sabe dos prazos e dos custos, mas, no meu caso, a chamada para validar presencialmente a minha autodeclaração racial veio em cima da hora. É muito difícil planejar e pagar uma viagem do Rio Grande do Norte a Florianópolis em cinco dias”, comentou.
Entre as estratégias de enfrentamento ao racismo institucional, o relatório classifica como urgente a garantia da totalidade das vagas para candidatos PPI nos próximos concursos até atingir a meta de 20%. A medida prioriza os setores com mais disparidade racial e determina a inversão da lógica de sorteio para a distribuição de vagas. Segundo o documento, “ao priorizar a contratação de docentes PPI de forma urgente, a UFSC demonstra um compromisso sério e imediato com a equidade racial”.
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