Crianças brasileiras estão mais altas e obesas, aponta pesquisa da Fiocruz

Dados se confirmam no estudo realizado em Florianópolis-SC. Especialistas relacionam fatores socioeconômicos à obesidade infantil

CAMILA BORGES

Tempo e dinheiro são desafios enfrentados pelas mães brasileiras que tentam proporcionar uma alimentação saudável aos filhos. A doméstica Juliana Xavier, 39, explica que ao tentar conciliar o trabalho e o cuidado dos filhos Yuri, 9, e Gabrielly, 2, muitas vezes a alimentação saudável é negligenciada. “Na escola tem horário para todas as refeições e em casa eu não tenho.” A mãe conta que nem sempre é possível deixar frutas e verduras à disposição das crianças devido ao custo dos alimentos.

Para a advogada Monique de Paoli, 29, mãe da Maitê, 4, e Stella, 2, o preparo de alimentos saudáveis demanda um tempo que as pessoas não têm. Monique explica que “na correria do dia a dia é muito mais fácil passar no mercado e comprar uma bolacha ou um salgadinho do que parar para cozinhar”.

Os relatos das mães vão ao encontro do estudo publicado na edição de abril da revista The Lancet Regional Health – Americas, que aponta o aumento da estatura e da obesidade entre crianças brasileiras. A pesquisa foi realizada no Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a University College London.

Durante o levantamento, foram observados dados de mais de 5 milhões de crianças entre três e dez anos. Para análise foram estabelecidos dois grupos: nascidos de 2001 a 2007 e de 2008 a 2014.

Os estudos apontaram que ocorreu o aumento médio de um centímetro de altura no grupo de nascidos de 2008 a 2014 em relação aos nascidos de 2001 a 2007. No peso, ao comparar os dois grupos, as crianças apresentaram um aumento médio de 600 gramas.

A pesquisa revela que na faixa etária de cinco a dez anos a prevalência da obesidade aumentou de 11,1% para 13,8% entre meninos e de 9,1% para 11,2% entre meninas. Na faixa etária de três a quatro anos de idade, foi apontado um aumento na obesidade de 4% para 4,5% entre meninos e de 3,6% para 3,9% entre meninas.

A prevalência da obesidade é um dado estatístico obtido a partir da divisão do número de crianças obesas pelo número total de crianças analisadas. A professora de nutrição da UFSC Patrícia Hinning explica que a maior estatura das crianças está relacionada à melhoria nas condições de acesso aos serviços de saúde, água tratada e saneamento básico. Por outro lado, o aumento da obesidade diz respeito ao consumo de ultraprocessados e ao tempo em que as crianças são expostas às telas.

A pesquisa realizada pela Fiocruz reflete a realidade de Florianópolis, conforme aponta o Estudo de Prevalência da Obesidade em Crianças e Adolescentes (Epoca), realizado pelo Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

De acordo com o estudo, em 2019, houve um aumento de 44% na prevalência da obesidade nas crianças de sete a 14 anos em relação ao primeiro levantamento, feito em 2002. O Epoca coletou amostras de 2.880 alunos de 30 escolas públicas e privadas de ensino fundamental em Florianópolis.

A nutricionista Patrícia Hinnig, que fez parte da pesquisa do Epoca, explica que fatores socioeconômicos estão relacionados ao aumento da obesidade. “As mães acabam dando aos filhos alimentos ultraprocessados, porque são mais rápidos de preparar e possuem menores preços em relação aos alimentos in natura”.

Patrícia ressalta que, de acordo com o Epoca, a prevalência de obesidade é maior nas escolas públicas devido à realidade financeira das famílias. “A menor renda dificulta o acesso aos alimentos saudáveis e à prática de exercícios físicos”, explica.

Negar é mais fácil

A obesidade ainda é um tabu entre muitas famílias que possuem filhos com sobrepeso. “As pessoas querem acreditar naquilo que é mais fácil e mais cômodo, então fecham os olhos para a realidade”, esclarece a bióloga Alessandra Millezi, especialista em microbiologia de alimentos e mãe da Laura, 2, ao afirmar que percebe a negligência familiar como um dos maiores desafios no enfrentamento à obesidade infantil.

Uma entrevistada afirmou que, embora seu filho consuma majoritariamente pães e bolachas e tenha resistência ao comer frutas e verduras, “o que ele consome satisfaz as necessidades do seu organismo.” Outra mãe explica que apesar da filha evitar o consumo de comidas variadas, “ela é uma criança saudável.”

De acordo com a bióloga e especialista em fisiologia Stefanie Fischer, a obesidade é multifatorial e pode ser causada por questões genéticas, estilo de vida, quantidade exercício físico e condições endócrinas.

O ambiente, em especial durante a infância, condiciona a obesidade, uma vez que a saúde dos filhos é determinada pelas práticas dos pais. De acordo com Stefanie, “se o pai e a mãe têm sobrepeso ou são obesos, provavelmente o filho vai ter sobrepeso ou ser obeso, porque nesses casos quem deveria orientar os hábitos dos filhos não cuida de si mesmo.”

Mesmo que a criança tenha uma disposição genética favorável a desenvolver obesidade, este fator pode ser modulado a partir de hábitos saudáveis. “Não há nenhum segredo. Para evitar a obesidade é preciso lutar contra aquilo que é mais confortável”, explica Stefanie.

Do ponto de vista evolutivo, os seres humanos se adaptaram para armazenar calorias, uma vez que só era possível comer após longos períodos de caça. A partir da Revolução Industrial, o acesso aos alimentos foi facilitado e, nos dias atuais, os ultraprocessados possuem rótulos, cheiros, preços e sabores atrativos, além de serem altamente palatáveis. Diante de um grande investimento na promoção dos ultraprocessados, Stefanie afirma que “é realmente muito difícil para os pais lutarem contra essa indústria.”

Consequências da obesidade infantil

Uma criança é considerada obesa ou com sobrepeso quando o Índice de Massa Corporal (IMC) está acima de um determinado número considerado normal. A criança ou adolescente entre cinco e 19 anos de idade que possui um escore-Z de IMC maior que um e menor ou igual a dois está com sobrepeso. Já a criança ou adolescente nesta mesma faixa de idade com obesidade terá seu IMC maior que dois escore-Z. 

Por exemplo, uma criança de dez anos que pesa 43 quilos e possui um metro e 44 centímetros de altura, possui um Z-IMC igual a 1,53. Este número indica que a criança possui sobrepeso.

De acordo com Patrícia Hinning, o excesso de gordura corporal em qualquer fase da vida é motivo de preocupação. Crianças com sobrepeso ou obesidade podem ter aumento de comorbidades ainda na infância ou na idade adulta.

A obesidade pode ocasionar problemas anatômicos, metabólicos e psicológicos. De acordo com a bióloga Stefanie Fischer, “a obesidade é uma doença. Não existe obeso saudável”. A maioria das crianças com sobrepeso desenvolvem problemas esqueléticos, articulares, de mobilidade e equilíbrio, a depender de quanto tempo permanecem obesas devido ao fato de “carregarem” um peso muito maior do que um esqueleto em desenvolvimento é capaz de suportar.

Problemas psicológicos também são apontados por Stefanie como uma consequência da obesidade infantil. De acordo com a pesquisadora, crianças obesas ou com sobrepeso possuem um vínculo familiar forte, ao passo que tendem a evitar atividades com interação social por temerem julgamentos. “Isso é o que a gente chama de ‘retroalimentação’. A criança tem medo de sair de casa, então fica sozinha e acha que merece comer algo gostoso. A criança não se movimenta, come por culpa e engorda cada vez mais”, explica Stefanie.

O aumento do tecido adiposo acarreta maior resistência à insulina, o que favorece a instalação do Diabetes do tipo 2. A obesidade também contribui para o desenvolvimento de colesterol alto, disfunções neuronais, problemas cognitivos e hipertensão arterial. Dificuldades cardiovasculares e respiratórias são comuns em crianças obesas, uma vez que o coração precisa trabalhar mais a fim de bombear sangue para todos os tecidos. De acordo com Stefanie, “pessoas que possuem acúmulo de gordura no fígado, que é o órgão central do metabolismo, são mais propensas à formação de câncer. Estudos apontam que alguns tipos de câncer estão diretamente associados à obesidade”.

Padrões estéticos, amplamente disseminados pelas redes sociais, também contribuem para o desenvolvimento de problemas psicológicos relacionados à obesidade, a exemplo de anorexia e bulimia. Quando a criança com sobrepeso ou obesidade possui insatisfação com a imagem corporal, comportamentos não saudáveis podem ser utilizados para alcançar a “beleza”.

 De acordo com Patrícia Hinning, o uso de laxantes, medicações para emagrecimento e práticas como jejum ou pular refeições são mecanismos prejudiciais à saúde adotados por crianças e adolescentes que visam o alcance de padrões estéticos. Por isso, a pesquisadora enfatiza que a obesidade deve ser tratada de forma interdisciplinar, com especial atenção ao âmbito psicossocial e possíveis conflitos internos.

Políticas públicas

Em Florianópolis, a UFSC possui uma política de assistência estudantil que contribui para alimentação saudável dos filhos das estudantes da universidade em vulnerabilidade social. As universitárias que são mães e possuem crianças de até 12 anos incompletos têm acesso, por meio da Pró-Reitoria de Permanência e Assuntos Estudantis (PRAE), ao Restaurante Universitário (RU) de maneira gratuita para si e para seus filhos.

A estudante Betina de Sá, 30, do curso de Letras – Língua Portuguesa e Literaturas da UFSC, conta que a entrada gratuita ao RU é um benefício importante para ela e seu filho, Ícaro, 11.

“Levar o Ícaro no RU foi uma solução para mim. Foi uma das cargas mais pesadas que saíram da minha rotina. Cozinhar leva muito tempo, sem contar o valor da comida que é muito caro”.

Maiara Rezende, 27, é mãe de três filhos que possuem 14, oito e dois anos. Ela também é estudante da graduação na universidade e fala que o acesso ao Restaurante Universitário é um benefício importante, mas que a filha de 14 anos precisa ficar esperando do lado de fora enquanto os irmãos se alimentam. “O RU ajuda, mas nem tanto. Eu tenho alguma dificuldade em relação ao acesso das crianças. Só os menores conseguem. A maior tem que ficar esperando lá fora porque ela não pode entrar.”

A pró-reitora de Permanência e Assuntos Estudantis, Simone Sobral, explica que os Restaurantes Universitários (RUs) têm como usuários a comunidade universitária. Excepcionalmente, dependentes menores de 12 anos de estudantes regularmente matriculados que possuam inscrição validada no cadastro socioeconômico da Pró-Reitoria de PRAE também podem ser usuários do RU.

O acesso previsto é para crianças, isto é, para pessoas de até 12 anos incompletos. De acordo com a pró-reitora, “não há embasamento para atendimento de filhos até 18 anos, pois não se trata de uma política para a família do estudante, mas sim uma política de permanência estudantil”. A pró-reitora enfatiza que “a garantia de direitos sociais é uma tarefa do Estado.”

A bióloga Stefanie Fischer explica que políticas públicas capazes de incentivar a prática de exercícios e o consumo de frutas e verduras são essenciais para a diminuição da obesidade infantil. A merenda escolar acompanhada por nutricionistas e o aumento de locais destinados à prática de exercícios físicos, como praças que possuem equipamentos para musculação, auxiliam na consolidação de hábitos saudáveis e no combate à obesidade.

Iniciativas para restringir o tempo que as crianças ficam em frente às telas também são essenciais. “Crianças saudáveis precisam correr, gritar, pular. Hoje em dia as crianças conhecem o mundo por meio das telas, mas não sabem como é o quintal da própria casa. Isso tem contribuído muito para o aumento da obesidade infantil”, explica Stefanie.

De acordo com a pesquisadora, uma solução eficiente para combater a obesidade infantil seria taxar alimentos ultraprocessados e reverter o valor no custeio de frutas e verduras, para que alimentos in natura sejam comercializados com preços menores e o acesso aos alimentos calóricos passe a ser dificultado. No entanto, a pesquisadora explica que “ao fazer isso vamos bater de frente com a indústria dos ultraprocessados. E infelizmente parece que nenhum governo está disposto a comprar essa briga”.

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