Prefeitura de Florianópolis instala “barreira migratória” na rodoviária
Prefeito Topázio afirma em vídeo que município não é depósito de pessoas em situação de rua
IBRAHIM KHAN
O prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), disse em vídeo, nas suas redes sociais, que instalou um posto da Secretaria de Assistência Social no Terminal Rodoviário Rita Maria, no Centro, para controlar a vinda de pessoas em situação de vulnerabilidade à cidade. Topázio anuncia no vídeo que mais de 500 pessoas já foram mandadas embora. “Quem aqui desembarca deve respeitar as nossas regras e a nossa cultura”, afirma o prefeito.
Publicada em 2 de novembro, a postagem repercutiu nacionalmente. Três dias depois, Topázio divulgou outro material em que reitera o anterior. “Se a pessoa chega aqui, sem saber onde vai dormir, sem qualquer plano de vida, é óbvio que foi despachada de algum lugar. Nós vamos mandar de volta”, diz, ao se referir às pessoas em situação de rua.
“Essa medida viola frontalmente a Constituição e a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, diz Prudente Mello, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC. A Constituição Federal garante a liberdade de locomoção em território nacional. A prática de impedir permanência e pressionar por retorno pode configurar violação à dignidade humana e constrangimento ilegal.
“A medida, da forma que o prefeito fez, pode ser caracterizada como abuso de autoridade”, afirma Prudente. O advogado lembra que outros agentes públicos envolvidos também podem responder por responsabilização administrativa, mas que isso dependerá da atuação dos órgãos competentes.
A Defensoria Pública de Santa Catarina (DPE-SC) instaurou processo de investigação e cobrou esclarecimentos da Prefeitura de Florianópolis. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou que acompanha o caso. Até agora, nenhuma ordem determinou a interrupção imediata da operação, que continua na rodoviária.
Em março deste ano, o MPSC estimou 3.678 pessoas em situação de rua na capital. Organizações independentes que lidam com a população em vulnerabilidade acreditam que deve haver mais de 4 mil. Para enfrentar o problema, a Secretaria de Assistência Social tem um orçamento de R$ 267 milhões, o maior em cinco anos, equivalente a um aumento de 240% em relação a 2024. Entretanto, a Passarela da Cidadania, que oferece serviços e abrigo, continua com falta de vagas e o Restaurante Popular permanece fechado.
Prefeitura mudou narrativa sobre abordagens da Assistência Social
Após o envolvimento dos órgãos públicos jurídicos, Topázio alterou o discurso. Ele afirmou que o atendimento ocorre somente quando a própria pessoa procura voluntariamente ajuda no posto, sem bloqueio ou impedimento de recém-chegados.
Em seu vídeo publicado em 5 de novembro, o prefeito responde comentários de suas redes sociais e adota uma abordagem mais moderada, com verniz humorístico. “Florianópolis acolhe todos que vêm em paz”, esse é o título da publicação mais recente sobre o assunto, o que contrasta com slogans anteriores como “Respeitem nossa Floripa” e “Chegou sem rumo? Volta para cidade natal”.
“Que país lindo, onde tiro meu visto?”, ironizou um internauta escolhido para ter o comentário respondido. Topázio sorri enquanto lê em voz alta. “Florianópolis não precisa de nada disso, se você vem turistar, se você vem trabalhar, é sempre bem-vindo”, afirmou.
Enquanto a Prefeitura tenta conter danos, o governador Jorginho Mello (PL), aliado político do prefeito, continua na brincadeira. “Vai precisar de visto para vir para Santa Catarina? Será que pode? Vou consultar a procuradoria”, disse em vídeo, rindo. No dia seguinte, postou uma série de fotos que simulam passaportes catarinenses. “A pedido, os primeiros vistos catarinenses”, diz a legenda.
A brincadeira, porém, normaliza a ideia de controle migratório interno, inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. Para o advogado Prudente, o humor institucional legitima uma política de expulsão seletiva, na qual a pobreza se transforma em critério de permanência.









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