UFSC perdeu 92,8% de orçamento de capital desde 2015

Universidade não tem repasse suficiente para finalizar o ano de forma ideal, afirma Seplan. Déficit atual é de R$ 23 milhões

CAMILA BORGES E FERNANDA ZWIRTES

Bebedouros quebrados, lâmpadas despencando do teto e equipamentos de ar condicionado quebrados são alguns dos problemas que indignam os grevistas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professores, técnicos-administrativos educacionais (TAEs) e alunos de graduação e pós-graduação reivindicam a recomposição orçamentária do ensino superior público, necessária para a resolução desses problemas. Além da infraestrutura, o número de servidores públicos ativos na instituição diminui, enquanto as terceirizações avançam e afetam as despesas da universidade. 

     Os valores orçamentários, com destaque para  os gastos e repasses feitos pelo governo federal desde 2015, foram apresentados pela reitoria da UFSC em audiência pública, na última terça-feira (21). O ato aconteceu no hall da reitoria do campus Trindade, em Florianópolis, e foi uma iniciativa do Comando de Greve Unificado, que congrega a categoria dos docentes, TAEs e estudantes da Universidade.

 Na audiência, os dados de anos anteriores foram apresentados pela Secretaria de Planejamento e Orçamento (Seplan), com valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), para comparação com os repasses de 2023 e 2024. Em 2015, o orçamento total destinado à UFSC era de R$ 186,67 milhões , similar ao montante nominal direcionado em 2024, de R$ 156,95 milhões. Com a correção monetária, entretanto, o valor de 2015 seria equivalente, em 2024, a R$ 305,35 milhões. Em 9 anos, houve uma diminuição de 48,6% de recursos destinados à UFSC.

Valores orçamentários da UFSC desde 2015, com atualização monetária. Fonte: Seplan/UFSC

Em 6 de março, o Ministério da Educação anunciou uma recomposição orçamentária de R$ 242,92 milhões para as Instituições Federais de Ensino (Ifes). Desse total, a UFSC recebeu R$ 5,76 milhões. Até o momento, outras três portarias que liberaram repasses financeiros para a UFSC foram aprovadas. O valor de suplementação, em 23 de maio, soma R$ 12,61 milhões, complementando o total destinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023. 

Apesar do aumento dos recursos, há um déficit projetado de aproximadamente R$ 23 milhões, montante estritamente necessário para o pagamento de todas as despesas da Universidade até o final do ano. Segundo a Seplan, a projeção média de gastos anuais é de R$ 192 milhões, valor que o orçamento, junto com as suplementações, não alcança. 

O valor  diz respeito ao funcionamento básico da instituição, sem abarcar expansões e melhorias que, em teoria, deveriam contemplar o ensino superior público. Nessa previsão, a UFSC não tem verba suficiente para abarcar os meses de novembro e dezembro de forma ideal, ocasionando uma deficiência orçamentária ainda maior que 2022 – o ano com maior carência dos últimos dez anos -, que foi de R$ 5,2 milhões. 

Para compreender para onde vai esse dinheiro, é preciso detalhar como funciona o orçamento da UFSC. Ele é dividido em despesas obrigatórias e discricionárias. As despesas obrigatórias correspondem à pessoal e encargos sociais que caracterizam   salários, previdência social e benefícios dos servidores públicos ativos e aposentados. Esses gastos são pagos diretamente pelo governo federal. 

As despesas discricionárias são os gastos que a Universidade tem autonomia para utilizar, e são elas que interferem, majoritariamente, no cotidiano da instituição. Elas são divididas entre custeio e capital. O primeiro inclui o pagamento de bolsas, manutenção, pagamento de terceirizados e gastos com  infraestrutura – aquilo que a universidade precisa para se manter aberta e funcionando.

Comparação entre valores de custeio e capital de 2015 a 2024. Gráfico: Seplan/UFSC

O capital é a quantia gasta com obras, compra de equipamentos e materiais. Ou seja, são despesas utilizadas para a expansão e melhoramento das condições da universidade. Implementações em laboratórios, novas obras, recursos para projetos: tudo isso parte do valor destinado às despesas de capital. 

É nos valores relacionados ao capital que o déficit é mais expressivo. Com a correção monetária, eles passaram de R$ 91,83 milhões disponíveis em 2015 para R$ 6,55 milhões em 2024. O que representa uma diminuição de 92,89% na capacidade financeira de investir  em melhorias na Universidade. 

A diminuição dos valores de capital é multifatorial. Ela acontece em consequência do decréscimo das verbas federais, mas também devido ao aumento das terceirizações. Hoje, segundo a reitoria, a UFSC possui 325 contratos com empresas privadas para prestação de serviço. O reitor, Irineu Manoel de Souza, defende que esse cenário é consequência de ações políticas e econômicas que se estendem desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2003. “Temos uma perda entre 150 e 200 técnicos-administrativos em nossa universidade. Isso impacta muito e faz com que o movimento de terceirização seja cada vez mais ampliado”, argumenta. 

A maioria das terceirizações ocorre porque não há novos concursos para TAEs de nível A, B e C – aqueles que possuem exigência de capacitação de ensino fundamental incompleto até ensino médio completo. Para não deixar lacunas na manutenção e repor a necessidade de trabalho, a UFSC é obrigada a manter os contratos terceirizados.  A contratação de funcionários para as áreas de limpeza, portaria e obras, por exemplo, são reflexo desse movimento. 

Se os responsáveis por essas atribuições fossem os servidores públicos  – nesse caso, os TAEs -, o pagamento de suas remunerações estaria vinculado às despesas obrigatórias. Como são terceirizados, os valores são retirados das despesas discricionárias, vinculadas ao custeio e que competem com outros compromissos da Universidade, como o pagamento de bolsas, energia elétrica, água e esgoto. O aumento do valor de custeio impacta diretamente na diminuição dos recursos de capital, que poderiam ser investidos em projetos e obras.

“É um absurdo. A reitoria da Universidade deveria se preocupar com o ensino, pesquisa e extensão, com as políticas estudantis, em ser uma instituição crítica, mas toma espaço desses debates, discutindo contratos com empresas privadas, que só estão aqui para obter lucro”, critica o reitor. 

A escolha de como gastar o orçamento é política. Irineu e a vice-reitora, Joana Célia dos Passos, afirmam que o compromisso da gestão é com a assistência estudantil e com a proteção dos trabalhadores da UFSC. Em 2022, ano em que o déficit orçamentário foi expressivo, a gestão escolheu manter o pagamento das bolsas e contratos com os terceirizados, atrasando uma dívida de aproximadamente R$ 6 milhões com a Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), relativa à conta de luz da instituição. 

A Secretária de Planejamento e Orçamento  da Seplan, Andréa Trierweiller, destaca que, mesmo sem verbas suficientes, a gestão atual tenta não afetar os estudantes e trabalhadores. “Se fôssemos racionais, não conseguiríamos atender a essas demandas. Mas como as pessoas são a nossa prioridade, temos que fazer escolhas inteligentes quando ajustamos o nosso orçamento”, diz. 

Os repasses de verba para 2024, regulamentados pela LOA em 2023, tiveram implicações de novas políticas econômicas, em especial do novo arcabouço fiscal e da política de déficit zero. Essas políticas são apontadas, por Andréa, como um fator que compromete o orçamento da Universidade. 

A questão do arcabouço foi tratada pelo assessor econômico e doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB)  David Deccache, no hall da reitoria do campus Trindade, em 16 de maio. O diálogo foi um Ato Unificado da greve organizado pelo Comando Unificado de Greve na UFSC para discutir o impacto do orçamento federal nas universidades públicas.

O novo arcabouço fiscal foi aprovado há um ano, em 23 de maio de 2023, pela Câmara de Deputados, e substituiu a política anterior de teto de gastos, do governo Michel Temer. O projeto de lei tem como principal medida manter o crescimento de gastos do governo a 70% da variação dos ganhos do ano anterior. 

Caso a meta fiscal seja descumprida em um ano, o governo fica proibido de criar cargos, empregos ou funções que impliquem no aumento de despesas, criar auxílios, reajustar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar incentivos fiscais. Se a situação se repetir no ano subsequente, somam-se a essas medidas a proibição de aumento e reajuste de pessoal, realização de concurso público e admissão de novos servidores. 

Na prática, há menos dinheiro para despesas básicas, como água, luz, limpeza, bolsas estudantis, novas obras e manutenção da infraestrutura universitária. O baixo orçamento reflete a defasagem de reposição salarial de técnicos e docentes, que são pautas prioritárias da greve.

Em consonância com a política de déficit zero, se houver suplementação para a educação pública que ultrapasse os limites das metas orçamentárias, no ano seguinte, existirão mais limitações financeiras, o que reflete no enxugamento gradual das verbas. “Se não lutarmos agora, que há o desmonte progressivo dos serviços públicos, estaremos lá na frente lutando contra o fim da educação pública”, afirmou Deccache. 

A Seplan e a reitoria defendem que a inclusão do orçamento das universidades federais no Plano Nacional de Educação (PNE) é essencial. Segundo Andréa, é necessário que o orçamento das universidades se torne uma política pública para que as instituições não fiquem à deriva de interesses políticos e de emendas parlamentares. “Esses recursos, se entrassem formalmente no orçamento, ampliariam ações que promovem a educação superior de qualidade, democracia, sustentabilidade e assistência estudantil”, reforça.

Nesta quinta-feira (23), o reitor da UFSC esteve em Brasília para debater com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) sobre a necessidade da inclusão do orçamento das universidades federais no PNE.

Blocos modulados do Centro de Ciências Físicas e Matemáticas (CFM), interditados devido a infraestrutura comprometida. Foto: Maitê Silveira

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