Prefeitura de Florianópolis dificulta doações de marmitas a pessoas em situação de rua

Desde início de outubro, quem tenta doar comida a pessoas em situação de vulnerabilidade é interrompido por fiscais

IBRAHIM KHAN

Logo após o começo da entrega de marmitas, chegam os funcionários de colete amarelo da Ordem Pública, depois os guardas municipais, armados, e, por fim, um fiscal da Vigilância Sanitária. A doação para e, enquanto são dadas as advertências, as pessoas na fila protestam. Por enquanto, não há o confisco de marmitas e nem multas, mas, a partir de novembro, as penalizações a grupos que distribuem comida para pessoas em situação de rua, em locais públicos de Florianópolis, podem ultrapassar R$ 3 mil. A punição foi regulamentada pelo decreto Marmita Legal, que coibiu a ação de Organizações Não-Governamentais (ONGs) no município a partir de outubro de 2025.

Nas duas primeiras semanas de vigência do decreto, equipes da prefeitura interromperam a distribuição de comida em diferentes pontos da cidade. A norma, publicada em 22 de setembro, proíbe a distribuição voluntária de alimentos em vias e praças públicas. A Prefeitura busca limitar essas doações aos Pontos de Distribuição Organizados (PDOs). Os pontos designados são as dependências da Passarela da Cidadania, a sede das entidades distribuidoras e Centros Comunitários. 

O município justificou o decreto como uma medida para garantir dignidade, segurança sanitária, saúde e direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade. Quem atua em prol das pessoas em situação de rua vê de outra maneira. “É o decreto da fome”, afirma Gabriel Amado, psicólogo e ativista. “A Constituição Federal prevê alimentação, moradia e assistência social. Onde estão esses direitos? Faltam marmitas na Passarela e o Restaurante Popular está fechado há oito meses. Agora, limitaram as doações”, relata.

A estimativa mais recente do número de pessoas em situação de rua em Florianópolis é de janeiro deste ano, com 2.749 pessoas contabilizadas. “Esse número está errado. O levantamento foi feito pelo número de registros no CadÚnico, mas muitas pessoas em situação de rua não têm esse registro”, afirma Luana Araújo, coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua. As estimativas extraoficiais apontam cerca de 4 mil pessoas.

A fiscalização contra a doação de comida iniciou na noite de 1º de outubro, dia em que entrou em vigor o decreto. A distribuição das refeições ocorria no terminal de ônibus executivos, no Centro. Cinco minutos após o início, chegou a equipe da Ordem Pública, a Guarda Municipal e a fiscal da Vigilância Sanitária. No total eram 13 funcionários municipais. A entrega das marmitas foi interrompida por alguns minutos até ser retomada.

“Hoje, viemos apenas para orientar as pessoas, ninguém foi penalizado ou multado”, explicou Vanessa da Cunha Rocha, fiscal sanitária. “Agora as entidades devem realizar um cadastro com a Rede Solidária Somar”, continuou. Quando perguntada sobre o processo de cadastro, Vanessa pegou o celular do bolso para conferir, “É tudo novo ainda, o decreto entrou em vigor hoje, sabe como é que é né?”, disse a fiscal.

Poder municipal fechou Restaurante Popular em fevereiro (Foto: Ibrahim Khan / UFSC)

Prefeitura afunilou serviços em local com pouca estrutura

O decreto vai ao encontro de outra decisão tomada pelo município. O fechamento do Restaurante Popular, em fevereiro, dificultou o acesso à alimentação para pessoas em situação de rua. O local servia cerca de 1,2 mil refeições por dia. Desde seu fechamento a Prefeitura posicionou a Passarela da Cidadania como principal política de assistência social em Florianópolis. No local, é fornecida alimentação diária a 400 pessoas em situação de vulnerabilidade. As vagas de pernoite são limitadas a 250.

“A prioridade é de quem já está na passarela, depois passa para ordem de chegada dos externos”, explica Ernani Cordeiro da Silveira, Supervisor Geral e Operacional da Passarela. Com o decreto, o supervisor espera que mais doações cheguem ao local. “Nesses quatro meses que estamos aqui, até agora ninguém nunca veio doar marmitas na Passarela. Vamos ver se agora, com o decreto, muda”. 

Com pelo menos 2 mil pessoas em situação de rua, e a estrutura da Passarela da Cidadania com capacidade para produzir 400 refeições, a conta não fecha. “A cozinha da passarela não tem equipamento, tamanho e nem funcionários para suprir a demanda” afirma Luana, do Movimento Nacional da Pessoa em Situação de Rua. “Eles não conseguem fornecer comida a todos e querem que as marmitas vão para lá. Querem receber os créditos pelo trabalho dos voluntários”, protesta.

Publicar comentário