Neonazismo cresce frente a inércia de autoridades e imprensa em SC, afirma CNDH

Relatoria especial preliminar do Conselho avalia aumento de células neonazistas no Brasil como “alarmante”

MAITÊ SILVEIRA

Fazer apologia ao nazismo é crime e resulta em multa e reclusão de dois a cinco anos, de acordo com  a Lei nº 7.716/1989 da Constituição Federal. A indicação legal não tem impedido que grupos adeptos à teoria nazista formem núcleos locais, como em Blumenau (SC). Na cidade de 365 mil habitantes, 63 células neonazistas foram identificadas no levantamento realizado pela pesquisadora Adriana Dias, doutora em Antropologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A pesquisadora realizou o monitoramento, por arquivos e meios digitais, da formação de células neonazistas no país, encaminhando-os para denúncia ao Ministério Público. Os dados levantados por Adriana compõem uma  relatoria especial, liderada pelo advogado Carlos Nicodemos, de investigação do aumento de células neonazistas no Brasil, levantada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e em que Santa Catarina se destaca.


Conforme a pesquisa, até novembro de 2022, 320 dos 1.117 núcleos neonazistas localizados no Brasil estavam em Santa Catarina, quase 30%.


O relatório do CNDH também utiliza dados da agência Fique Sabendo, sobre denúncias de apologia ao nazismo feitas à Polícia Federal, e do Observatório Judaico de Direitos Humanos, sobre manifestações antissemitas.

Objetos nazistas apreendidos com suspeitos de integrarem grupo neonazista em Santa Catarina, em 2022. Foto: Reprodução/Polícia Civil de Santa Catarina

Em comitiva de 13 pessoas, o CNDH, órgão integrado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, veio a Santa Catarina entre os dias 10 e 12 de abril. A passagem incluiu visita a órgãos públicos, entre eles a Polícia Federal (PF-SC) e a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).

 O CNDH debateu casos como o registrado em Blumenau, a partir da escuta de vítimas e palestras com autoridades políticas e da Educação, e avaliou as capacidades do estado no enfrentamento ao problema.

Segundo Nicodemos, a normalização institucional e falta de compreensão social do tema, junto à assimilação de formas correlatas de discriminação, são desafios para as autoridades catarinenses. “Nos preocupa a banalização. Se não acordarmos a tempo, vamos seguir testemunhando minorias violentadas”, diz. 


O relator também problematiza o “reducionismo punitivo”, uma abordagem unicamente criminal de um problema estrutural, no estado. “Não podemos tratar como caso isolado algo que é uma clara ameaça ao Estado Democrático de Direito”.


Além dos aparatos legais, o CNDH cobra maior participação da imprensa local na cobertura do tema. Para o jornalista da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e membro da comitiva Marcelo Auler, “[…] essas coisas não se escondem embaixo do tapete. A imprensa tem medo de ‘manchar a reputação’ local e esquece de quem está sofrendo”. 


De 2021 à 2022, o aumento das células neonazistas em Santa Catarina foi de 158%. No Brasil, saltou de 530 para 1.117, também de acordo com o levantamento de Adriana. A antropóloga relacionou o crescimento dos discursos nazistas com movimento políticos apoiados em discursos de ódio contra negros, pessoas LGBTQIA+, mulheres e indígenas no estado.


Uma suposta saudação nazista durante uma manifestação em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro em São Miguel do Oeste (SC) e a prisão de oito homens acusados de apologia ao nazismo em São Pedro de Alcântara (SC), ambas em 2022, foram relembradas pela ex-deputada estadual e diretora do Instituto Humaniza SC, Ideli Salvati. “A estrutura política de Santa Catarina acoberta e incentiva esses comportamentos. Ela promove um ambiente favorável à violação dos direitos humanos”, critica Ideli. 

O relatório final do CNDH incluirá um questionário de evidências, com perguntas de caráter normativo-orçamentário, enviado às autoridades visitadas em Santa Catarina e será apresentado na 56ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), prevista para junho e julho deste ano.

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